Do PADRE GUILHERME POMPÊU, (neto de Pedro Taques) escreveu Pedro Taques de Almeida Paes Leme:
"Foi o mimo de seus pais,
como único varão, e com o desejo de o verem bem instruído o mandaram para a
Bahia aprender a língua latina nos pátios do colégio dos jesuítas, onde se
consumou excelente gramático. Foi dotado de grande viveza de engenho e
docilidade, sobre que saía muito um natural respeito, que soube sempre
conciliar dos estranhos, patrícios e parentes.
"Abandonando ficar herdeiro
do grande cabedal de seus pais, que intentaram neste filho perpetuar a sua
casa, teve vocação de ser religioso franciscano na província da Bahia, onde se
achava, o que sendo comunicado a seus pais lhe atalharam com rogativas este
religioso intento, e cedeu o filho às súplicas paternais, assentando ser
presbítero secular.
"Estudou filosofia e
teologia, da qual teve o grau de doutor por bula pontifícia. Foi tão amante das
letras que da grandeza e profusão de seu liberal ânimo tinham segura proteção
os sujeitos bem instruídos na historia sacra e profana. Teve tão excelente
livraria que, por sua morte, encheram os seus livros as estantes do colégio de
S. Paulo, a quem constituiu herdeiro da maior parte de seus grandes cabedais.
"Nasceu ele na vila de
Parnahyba, em cuja matriz foi batizado em 1656. Fez assento no sítio de
Araçariguâma, onde fundou a capella de N. Senhora da Conceição, a cujo mistério
teve cordial devoção toda adornada de excelente talha, dourada com muita
magnificência. Celebrava-se anualmente a festa da Senhora a 8 de dezembro, com
um oitavário de festas de missas cantadas, Sacramento exposto, e sermão a
vários santos de sua devoção, e se concluía o oitavário com um aniversário
pelas almas do purgatório com o offício de nove lições, missa cantada, e sermão
para excitar a devoção dos fiéis ouvintes.
"De S. Paulo concorria a
maior parte da nobreza com os religiosos de maior autoridade das comunidades da
companhia de Jesus, Carmo, S. Bento e S. Francisco, e os clérigos de maior
graduação.
"Era a casa do doutor
Guilherme Pompêu naquelles dias uma populosa villa ou corte pela assistência e
concurso dos hóspedes. Para grandeza do tratamento da casa deste herói paulista
basta saber-se que fazia paramentar cem camas, cada uma com cortinado próprio,
lençóis finos de bretanha guarnecidos de rendas, e com uma bacia de prata
debaixo de cada cama, sem pedir nada emprestado.
Tinha na entrada de sua
fazenda de Araçariguâma um pórtico, do qual até as casas mediava um plano de
500 passos, todo murado, cujo terreno servia de páteo à igrêja ou capella da
Conceição. Neste portão ficavam todos os criados dos hóspedes, que alli
apeavam, largando esporas e outros trastes com que vinham a cavallo; e tudo
ficava entregue a criados escravos, que para êsse político ministério os tinha
bem disciplinados.
"Entrava o hóspede, ou fosse
um ou muitos em número, e nunca mais nos dias em que se demoravam, ainda que
fossem os de uma semana ou de um mês, tinham notícia alguma dos seus escravos,
cavallos e trastes. Quando, porém, qualquer dos hóspedes se despedia, ou fosse
um, quinze, ou muitos ao mesmo tempo, chegando ao portão, cada um achava o seu
cavallo com os mesmos jaêzes em que tinha vindo montado, as mesmas esporas, e
os seus trastes todos, sem que a multidão da gente produzisse a menos confusão
na advertência daqueles criados, que para isto estavam destinados.
"Os cavallos recolhiam-se ás
cavalariças, onde tinham tido o bom penso de hervas e milho (que é o que se dá
diariamente no Brasil aos cavallos, principalmente na Capital de S. Paulo; e
tem feito ver a experiência a utilidade que recebem desse alimento, que os faz
mais briosos, alentados e capazes de aturarem, como aturam, jornadas de 200
léguas, sem haver um só dia de descanso). Esta advertência era uma das acções
de que os hóspedes se aturdiam por observarem que nunca jamais entre a multidão
de várias pessôas, que concorriam a visitar e obsequiar dias e dias o doutor
Guilherme Pompêu, se experimentava a menor falta, nem ainda uma só troca de
trastes a trastes.
"Foi tão profusa a mêsa do
doutor Guilherme Pompêu, e nella as iguarias de várias viandas se praticavam
com tal advertência que, se acabada a mêsa, depois della, passadas algumas
horas, chegassem hóspedes, não havia a menor falta para banquetea-los. Por esta
razão estava a ucharia sempre pronta. A abundância do trigo nesta casa foi
tanta, que todos os dias cozia-se o pão, de sorte que para o seguinte dia já
não servia o que tinha sobrado do antecedente. O vinho era primoroso, de uma
grande vinha que com acerto se cultivava, e, supposto o consumo era sem
miséria, sempre o vinho sobrava de anno a anno.
"Engrossou o seu copioso
cabedal com a fertilidade das Minas-Gerais, para as quaes mandando numerosa
escravatura debaixo da administração de zelosos feitores, recebia todos os
annos avultada remessa de ouro. Soube distribuir este grande cabedal, mandando
á côrte de Lisbôa reformar a prata, que em muitas arrôbas herdou de seus paes,
e posta em obra mais polida, teve a copa mais primorosa que nenhum outro seu
nacional. Os móveis eram todos ricos e de primor. Distribuía considerável soma
de dinheiro em esmolas, e sustentava com liberal grandeza os seus
correspondentes.
"Na cúria romana teve
excelente aceitação no honroso obséquio de alguns cardeaes, pelos quais
conseguiu as letras de bispo missionário, que chegaram a tempo que já estava
enfermo, de que acabou a vida, servindo-lhe para o tratamento de illustríssimo,
que na oração fúnebre, que se recitou no colégio dos jesuítas da cidade de S.
Paulo, deu o orador ao cadáver exposto no mausoléu que, com funeral pompa, lhe
erigiu o mesmo collégio agradecido á beneficência com que lhe deixou muita
parte dos bens. A escravatura toda, terras de cultura, encapellou á sua capella
de N. S. da Conceição de Araçariguâma, e deixou ao collégio de S. Paulo, para
lhe aproveitar seus rendimentos, cumprindo-se annualmente com a festa da
Senhora em 8 de Dezembro.
"Teve o revmo. doutor
Guilherme Pompêu a glória de hospedar por muitos mezes a um bispo grêgo, que,
das Índias de Hespanha, veio ter a S. Paulo pâra na frota do Rio de Janeiro se
passar para Lisbôa. Depois hospedou ao padre Manoel de Sá, patriarhca de
Ethiópia, que vindo da Índia à Bahia, passou a S. Paulo em 1707, attrahido do
nome do grande Guilherme Pompêu, a cuja conta correu, por notícias que teve com
antecedência da vinda do patriarcha, toda a despesa, logo que da Bahia chegou
ao Rio de Janeiro, onde o correspondente fez tratar o patriarcha com toda a
devida grandeza, com a qual embarcou para Santos, de onde passou a S. Paulo, já
conduzido pelo comboio de cem índios, que todos carregados tinha mandado
Pompêu, para transitar em dois dias de jornada até S. Paulo o dito patriarcha.
Este prelado se confundiu de achar nas matas da villa de S. Paulo um varão tão
bem instruído que lhe não fazia falta a criação das côrtes que Pompeu não tinha
conseguido.
"Enfim, do revmo. doutor
Guilherme Pompêu toda a notícia será sempre diminuta, e duvidosa a expressão,
que se tornou verdadeira pela ocular experiência dos que alcançaram tanta
magnificência. Só em legado ao collégio de S. Paulo, para móveis de sua igrêja
e de cinco altares, deixou de prata 14 arrôbas em castiçaes, uns lisos pâra os
dias semanários, e outros lavrados pâra os dias festivos, e cinco grandes
lâmpadas de prata lavrada, além de pratos grandes de dar água ás mãos com
jarros para o mesmo ministério.
"Faleceu em Parnahyba em 7
de janeiro de 1713, e com marcha de sete léguas foi conduzido o cadáver em um
caixão coberto de velludo, que carregaram os seus parentes, com o
acompanhamento de todo um pôvo daquela villa, onde ele tinha sido o verdadeiro
paei da pobreza, o amparo dos necessitados e o objecto da melhor estima. Por
esta comprida estrada vieram tochas accêsas acompanhando o cadáver, que veio
para o depósito do elevado mausoléu que já no collégio se tinha formado.
"Estas exéquias se
celebraram com pompa funeral pelo agradecimento da grande herança que elle
recebeu depois da morte do doutor Pompêu, não contente com a liberal grandeza
com que em vida lhe fizéra largos donativos. Não quis que a campa de seu
sepulcro tivesse mais armas que o breve epitáphio que lhe declarasse o nome. Os
padres do collégio de S. Paulo mandaram abrir no mármore que lhe servia de
campa o seguinte epitáfio:
"Hoc jacet in tumulo
Guilhelmus presbiter, auro: Et genere et magno nomine Pompeyus"
Demolida a igrêja do collégio,
annexa ao actual palâcio do Governo, foram os restos mortaes do Padre Guilherme
Pompêu trasladados, em 1895, por ordem do Exmo. Sr. D. Joaquim Arcoverde, pâra
a nova igrêja do Sagrado Coração de Maria que então se fundou.
Vejâmos agora o seu testamento,
encontrado por Azevedo Marques no cartório da extinta provedoria de S. Paulo.
Si bem era grande a abastança do Padre Guilherme, não confere a minuciosa
descripção da sua copa com a "ocular experiência dos que alcançaram tanta
magnificência". Prataria mais ou menos como essa, possuiam as grandes
familias do tempo, que disso faziam um como documento e attestado de nobreza.
Eis as verbas principaes do referido
testamento:
"Por minh'alma mando que se
digam 600 missas e um officio de nove lições. Declaro que fundei missa
quotidiana perpétua no convento de 5. S. do Carmo da Villa de Collares do reino
de Portugal, de que tenho escriptura.
"Declaro que possuo a prata
lavrada seguinte : 2 pratos grandes de cozinha, mais 2 de meia cozinha, 48
vazos de 2 marcos cada um, 36 cuvilhêtes com seus tampos, mais12 cuvilhêtes
grandes, 1 tijella com tampo, 12 facas com cabos, 1 par de galhêtas com prato,
1 concha com 5 galhêtas, pratos e saleiro, 8 colheres, 2 jarros com bacias de
mâos, 1 bacia de barba. 12 garfos pequenos e 1 grande, 1 salva grande com seu
púcaro, mais outra com tamboladeira grande, 4 tamboladeiras pequenas, 1
caldeirinha, 1 cûia e 1 côco, 4 castiçáes, 1 candieiro, 3 bacias, 6 copos com 6
pratinhos, 1 esquentador, 1 perfumador, 1 tinteiro com seu prato com 4 peças e
campainha, 6 páus para toalhas, 3 varas com seus véus para abanar môscas, 1
bandeja grande, 1 bacia grande para os pés, mais uma salva grande com seu
púcaro, e outro púcaro grande com seu pé, 1 sella de velludo azul com guarnição
e arreios tudo de prata com pêso de 18 marcos, 2 caixas de tabaco e 1 par de
esporas, 1 salva com tamboladeira tudo de ouro, e mais 2 annéis de ouro com
esmeralda e outro com pedra rôxa.
"Declaro que possúo 101
escravos de gentio de Guiné, e sob minha administração 204 pessôas de gentio da
terra, 4 cavallos, 52 cabras, 100 porcos, 80 cabeças de gado na capella de
Ybyturúna, 216 nos meus curráes de Itú e 56 nos de Sorocaba, e todos os campos,
e capoeiras e logradouros são meus, que me largou o sargento-mór José Martins
Claro. Declaro que tenho contas com muitas pessôas que me são a dever, como
consta dos meus livros.
"Possúo em Parnahyba as
casas em que moro, e mais três, a fazenda de Araçariguâma com 1,150 braças de
testada e meia légua de sertão, e nella erigi a minha capella á Nossa Senhora
da Conceição, cujus fundos correm o sertão até sahir nos campos realengos de
Apoteroby; mais em Taquariminduba 230 braças de testada e meia 1égua de sertão,
que principia onde acaba a terra dada por meu pae á capella velha de Ybyturúna,
que também me coube por herança; mais na villa de Parnahyba 200 braças de
terras de testada e meia légua de sertão; mais na villa de Itú as terras em que
estão os meus curráes de gado a que chamam Ponta dos Castelhanos, e partem com
o rocío dellla; mais, possúo na dita villa de Itú 2300 braças de terras de
testada e uma légua de sertão; mais, na villa de Sorocaba, defronte dos meus
curráes, um sítio da outra banda do rio, que comprei de Braz Lême, e na villa
deS. Paulo um lanço de casas.
"Declaro que tive uma filha
illegitima por nome de Ignês de Lima, que a casel com Paulo de Barros, com o
dote competente, a qual não é minha herdeira forçada, conforme a ordenação de
Sua Majestade, que priva deste direito os filhos naturaes dos nobres. Declaro
que é minha herdeira universal a minha capella de Nossa Senhora da Conceição,
que erigi em meu sítio e fazenda de Araçariguâma, porquanto tenho revogado a
doação que havia feito á minha capella velha de Ybyturúna.
"Constitúo por administrador
dos bens doados á minha capella nova ao collégio dos padres da companhia de
Jesus da villa de S. Paulo, para que administrem os bens conforme fôr mais
conveniente ao serviço de Deus, e que o dito collégio logre e tenha o juro de
todos os bens, etc.".
Registrêmos a confissão do
lamentável desvio, que lhe afeiou o testamento com a evocação de um crime
contra a virtude sacerdotal por excellência. Dê-se-lhe, porém, sem o desculpar,
o desconto do meio e do tempo em que viveu, e facilmente se entenderá que, si
não mais grave, certamente mais estenso pudera ter sido o seu desastre.
A castidade, que torna possível
um ministério de abnegação e de sacrifícios, mal se compadece com a vida larga
de quem, acceitando o caracter sacerdotal, lhe foge ingratamente aos pesados
encargos e duras provações. Tem ella por esteio e garantia longa série de
precauções, de vigilancias, de pequeninas virtudes que se alimentam do
sobrenatural, norteando pâra êlle toda uma existência que, generosamente, se
desamarrou de fúteis ambiçöes terrenas.
Em meio da natureza bruta que,
cedendo ao homem o thesouro das suas entranhas, lhe communica, por vingança, a
rudeza das suas matas, - longe das vistas do Prelado, sem vida e sem costumes
sacerdotaes, opulento e magnifico, adulado e invejado, não teria o Padre
Guilherme, por monitôr de consciência, siquér a humilde roupêta que,
habitualmente, se não usava. Nêsse meio e nessa época, não se justificam, mâs
explicam-se as mais graves desordens, e, explicadas, encerram proveitosa lição.
Sem embargo do romance a que deu
orígem, é licito suppôr que, commettida a falta, volvêsse o Padre Guilherme a
melhores sentimentos, ajudado da bôa amizade e frequentação dos jesuitas, e
ainda mais da sua conhecida e constante devoção á Santissima Virgem Immaculada.
Sim, é Virgem Santissima, pois os que entendem dessa lucta pavorosa, a que não
escapam as almas mais solidamente temperadas, sabem o que signfica, na vida de
um padre, êsse térno e diuturno devotamento áquella Senhora que, tendo graça
pâra manter inalterada a sua pureza virginal, com efficácia a promove e
consolida.
Certo é que, amante do socêgo e
quietação, achou-lhe o governador do Rio de Janeiro virtude e procedimento que
o recommendassem a uma prelazia, o que indúz a crêr que estaria já apagada, com
a emenda, a feia mancha de que se accusou.
Como quer que sêja, Guilherme
Pompêu era menos padre do que negociante feliz, e tão feliz quê chegou a sêr,
no escasso meio colonial, verdadeira potência financeira.
A publicação do seu borrador, ou
livro de notas commercics, feita pelo operoso Dr. Affonso Taunay, veiu
desvendar-nos a verdadeira physionomia do creso parnahybano, cujas proporções,
si bem avultam como legitimo carácter de paulista, desmerecem no brilho que lhe
emprestaram as chrônicas:
"Agricultor e criador
opulento, commenta o Dr. Taunay, assistiu aos primeiros movimentos do
formidável rush paulista pâra o ouro, a que se deve a descoberta e o povoamento
do solo de Minas, o território immenso dos Cataguazes. Sem deixar Parnahyba,
associou-se Guilherme Pompêu a esta entrada do sertão, fazendo-se banqueiro dos
que partiam, e mandando ás catas expediçöes de mineradôres, por conta própria,
ou dirigidas por empregados e socios seus. No livro de registo de seus
negócios, surgem centenas de nomes de bandeirantes, os mais illustres e os mais
obscuros; com todos entreteve relações; todos elles lhe mandavam ouro, e quasi
todos lhe foram devedores.
"Ao mesmo tempo ia o seu
capataz, João Pinto, buscar o metal precioso ás catas riquissimas, que
começavam a ser abertas; levava combôios de cem ou duzentos escravos do gentio
da Guiné e peças da terra, escopeteiros e espingardeiros, e cada uma destas
viagens, em geral era summamente rendosa.
"Comprehendeu logo Guilherme
pompêu que os proventos do ouro nunca são pâra os mineradôres, e fez João Pinto
por vezes voltar ás lavras, tangendo grandes pontas de gado, ou a levar
carregamento que os mineiros, separados da civilização pelo deserto,
soffregamente adqueriam por preços altamente remuneradores. Estas boiadas
vinham dos campos de Curityba, onde iam procura-las outros associados de
Pompêu, parentes ou amigos, o sobrinho Pedro Frazão de Brito, que as buscava a
150 mais léguas ao sul de S. Paulo, o primo Luis Pedroso de Barros, etc.
"Ao mesmo tempo fabricava,
em Parnahayba, a escravaria do creso, marmelada de que vendia milhares de
caixas pâra Minas, a 400 réis a caixeta, carne salgada, toucinho, etc., levando
os combôios sal e assúcar, e ainda armas, enxadas e almocafres, numerosos
objectos de procedência européa que, do Rio de Janeiro, da Bahia e do Reino,
chegavam continuamente.
"Negociava Pompêu em dezenas
de artigos: - pannos, linhos, chapéus, calçados, drogas e remedios, ferrâgens,
trigo, algodão e sal, e o seu commercio, descendo ás pequenas cousas, levava-o
a vender carne de vaca fresca aos seus vizinhos de Parnahyba. Possuindo, em
suas fazendas, ofticinas de ferreiro e serralheiro, fazia concertar fêchos de
escopêta e pôr corônhas novas, fechaduras e cadeados, fabricando-se alli
utensilios e ferramentas, pregos e parafusos. O seu grande negócio consistia,
porém, nas transacções bancarias. Dava e tomava avultadas quantias á juros.
Devia a vários, e muitissimos lhe deviam dinheiro de contado ouro quintado,
ouro em pó, barrêtas fundidas e moédas. Estenderam-se-lhe os negócios a
centenas de mineradores, que lhe remetiam continuadamente do sertão o producto
das lavras, a maior parte a figurar-lhe nos livros como parentes, o que não é
estranhável, dado o intenso inbreading dos primeiros povoadores da capitania
vicentina, ou compadres."
Tinha vasta correspondência, diz
ainda o Dr. Taunay, com diversas praças do Reino, donde lhe vinham gêneros
diversos e artigos de indústria, fazendo vir moleques ladinos da Bahia, sal e
fazendas de Santos, remetendo pâra o Rio o ouro que se devia quintar. Os
empréstimos que fazia, si não eram de amor em graça, nunca venciam juros
excedentes a dez por cento, quando era taxa corrente a de 24 e até 36 por
cento, que os boiadeiros pagavam contentes, tomando todo o dinheiro que
encontravam.
Cobrava dos seus commitentes a
taxa de um cruzado a dois mil réis annuáes, pâra conservação da estrada que
ligava o planalto á villa de Santos, como também as annuidades dos irmãos de
diversas confrarias e irmandades de Parnahyba, por mais afastados que se
encontrassem no sertão.
0 que, porém, mais impressiona
nas operações commerciaes do Padre Pompêu, é a absoluta honorabilidade que as
caracterisa. Safámos contas, safei contas, estou pela sua verdade, deve-me o
que disser, - são expressões incomprehendidas hoje que, antepostas á
assignatura de um negociante, definem uma época e glorificam uma raça. Como
subsidio para a história colonial e monumento dessa heróica geração de
bandeirantes, mais vale o avariado borrador descoberto jelo Dr. Taunay, que o
avariado sectarismo de imaginosos romancistas. Si não é modêlo que se louve o
Padre sem espirito, fica pâra lição a energia do sertanista que, a golpes de
audácia e de perseverança, vai rasgando caminho pâra as glorificações do
futuro.
São ainda do curioso borrador os
documentos seguintes que, por interessantes, transcrevemos:
"Por curiosidade faço a
conta Seg.te do ouro q. entrou na villa de Sta Anna de Parnahyba este anno de
1698, de Agosto em diante, e é o Seg.te:
"Por Agosto do dicto Anno
recebi 80 oitavas que me mandou João Pinto e 40 que mandou meu primo Sulpicio
Pedroso e é portanto 120 8.as em pó.
"Por setembro trouxe M.el
Roiz 150 M.el Corrêa 30, D.os Alves 50, 230 8.as em pó.
"João Gonçalves, das Minas
do Sul, sessenta oitavas em pó.
"O Capitõo Manoel Garcia 26
libras. O Capitão Manoel Bicudo e seus filhos 18 lbs. quint.as O Capitão Manoel
Franco quint.as 8 lbs. D.os da Rocha 6 l.as quintadas e 3 l.as P.º da Rocha
quintada mêa 1. Francisco Paes quatro 1.ªs Joseph de Camargo duas l.as Matheus
de Escudeiro duas lbs. Br.do Vieira uma l.a Antonio de Oliveira duas l.as
Philippe de Abreu 4 l.as mais 3 D.os Pinto, mais duas quintadas. Seb.am Leme
hua quarta.
"Veyo a mi, por Jan. de
1699, assi meu como de diversas pessoas para eu mandar quintar 34 l.as em pó
mais 23 e meia."
Vêja-se agora o equipamento de um
sertanista, Antônio Castanho, que, ao partir para longinquos e desertos
sertões, se foi surtir á casa de Pompêu:
Uma escopêta . . . . . . 6$000 12
libras de pólvora . . . . 4$800 36 libras de chumbo . . . . 3$600 Um tacho de 6
libras . . . . 3$880 Um prato de estanho . . . . 1$280 7 facas . . . . . . . .
$600 Alvayade e pedra hume . . . $480 1 papel de alfinêtes.... 1$600 1
terçado.... 1$200 3 cadeados.... $600 2 arrobas de toucinho.... 1$600 4
machados e 4 podões...... 2$000 Dr.º fornecido aos Indios..... 2$000 5 collares
. . . . . . . . $300 1 canôa . . . . . . . . 7$000 Confaria do Senhor anno de 1690...
1$000
Do Livro do Tombo de Parnahyba,
consta ainda a seguinte verba testamentária, em a qual mandou o Padre Guilherme
se fizesse uma lâmpada de prata para o SS. Sacramento:
"Do Legado pio que deyxou o
Reverendo Padre Guilherme Pompeo de Almeyda para o azeite da Lampada do
Santissimo Sacramento da Matriz desta freguezia, que consta da Verba do seu
testamento, que é o seguinte:
"Verba do testamento -
Declaro que fiz humas cazas no campo da villa de Parnahyba, e por minha devoção
as offereci ao Santissimo Sacramento; e como fis venda dellas a meu compadre
Antonio Correa Garcia por dous mil cruzados, ou pelo que constar da escrittura
de venda, que passey, mando que desse dinheyro se mande fazer huma Lampada de
prata de obra Liza, que tenha de pezo trinta e tres marcos, e se ponha a ditta
Lampada na Capella mor da Matriz de Parnahyba, e o mais do dinheyro dos dous
mil cruzados se ponha a juros para render para o azeyte da ditta Lampada em
Louvor do Santissimo Sacramento; e não se continha mais no traslado da verba,
que do ditto testamento se tirou, o qual aqui para constar bem e fielmente
copiey; e por verdade me assigno. O vigario Manuel Mendes de Almeyda.
"Deste Legado depois da
lampada feita restárão quatrocentos e hum mil cento e vinte reis, os quais o
Reverendo Visitador Manoel da Costa de Andrade por seu motu próprio deu a juros
por escrittura a Dom Simão de Tolledo morador na cidade de Sam Paulo, em cujo
poder ainda se acha, e de presente corre pleyto na ouvidoria geral por parte da
Irmandade do Santissimo desta Villa, em que se trata de sua cobrança.
"Dos juros deste dinheyro se
acham cento vinte e dous mil e oyto cento reis depositados em poder do
Reverendo Parocho desta freguezia. A Irmandade o recebeu, e por sua conta corre
a administração, e Sei que de presente tem Joam da Fonseca de Amaral, q. os
tomou a juros por hua escrittura passada no anno de mil Sette centos cincoenta e
hum pelo Tabelliam José Ribeyro de Siqueyra no Seu livro de notas.
"Do Sobreditto Dom Simam de
Tolledo por não ter mais bens Só se pôde tomar em pagamento huma morada de
Cazas no pateo do Collegio da ditta Cidade, e a mesma Irmand.e a administra e
recebe os seus Iucros. O Vigario Manoel Mendes de Almeyda."
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